Preencho o meu redor com ruídos de diversos gêneros: um diálogo
de um filme qualquer, o miado de um gato jovem, o estalar de uma cerveja bem
gelada, e Nina Simone cantando seu orgulho em ser negra. Ouço todos os sons ao
mesmo tempo, mas não me importa refletir sobre eles; meu intuito é unicamente
não me deparar com o silêncio, aquele revelador de carências, vazios
existenciais e, principalmente, aquele que permite o desenvolvimento de
monólogos superficiais consigo mesmo. Às vezes é tão difícil se olhar no
espelho todas as manhãs, e, todavia, apesar da contundência existente no
reflexo, repito-me que ver-se não significa enxergar-se. Lá estão meus olhos
castanhos como sementes apodrecidas, meus cachos repletos de indefinições
extremadas pelo sono anterior, e minha pele marcada pelo cansaço dos dias: mas
quem sou só me traz perguntas mal elaboradas. Alguns filósofos dizem que a
problemática do conhecer-se não existe nas respostas que se encontram, mas sim
nas perguntas bem ou mal construídas; afinal como uma pergunta ruim teria uma boa
resposta? Então, o que o silêncio me oferece não são conclusões elaboradas
sobre o mundo ou sobre a minha própria pessoa, e sim uma enxurrada de
pensamentos inconclusos, interrogativos e instáveis.
Por que te confesso tudo isso? Simplesmente, porque você
teve uma visão equivocada da minha ausência de palavras. Olhou-me ao longe, e
achou interessante a garota que pouco conversava. Viu-me como um mistério a ser
revelado, a destituir-se de uma timidez sensual, e não desconfiou da confusão
que morava atrás dos meus lábios cerrados, que se disfarçava nos testemunhos
alheios. Queria tuas palavras também, no entanto, sua avidez pelos meus
pensamentos empacou nossa relação e tive que aprender um novo modo de lidar com
o meu silêncio e com tuas dúvidas, que por vezes eram minhas, passaram a ser
minhas. Por tua culpa agora bebo e me cerco de ruídos para não te lembrar, para
não ter que ensaiar conversas comigo mesma, acreditando falar contigo. Estou tentando
resetar meu sistema operacional, retornando nas minhas pegadas, mas a droga é
que você é um vírus sem solução no meu sistema, e eu vou buscando paliativos
até aprender a me decodificar, preparando-me para o nosso próximo encontro e
algum novo questionamento que não esperava.