domingo, 6 de outubro de 2013

Outono

Devoro-te não por fome ou desejo
apenas necessidade

Preenche os espaços tão cheios de mim
invade-me com voracidade

Arranca meu vestido de vocabulário
decifra minha vontade

Lê em voz alta meus versos silenciosos
Compartilha da minha insanidade

Envolve tuas mãos nas minhas
observa comigo as folhas caindo pela cidade.


quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Caindo em si

 Preencho o meu redor com ruídos de diversos gêneros: um diálogo de um filme qualquer, o miado de um gato jovem, o estalar de uma cerveja bem gelada, e Nina Simone cantando seu orgulho em ser negra. Ouço todos os sons ao mesmo tempo, mas não me importa refletir sobre eles; meu intuito é unicamente não me deparar com o silêncio, aquele revelador de carências, vazios existenciais e, principalmente, aquele que permite o desenvolvimento de monólogos superficiais consigo mesmo. Às vezes é tão difícil se olhar no espelho todas as manhãs, e, todavia, apesar da contundência existente no reflexo, repito-me que ver-se não significa enxergar-se. Lá estão meus olhos castanhos como sementes apodrecidas, meus cachos repletos de indefinições extremadas pelo sono anterior, e minha pele marcada pelo cansaço dos dias: mas quem sou só me traz perguntas mal elaboradas. Alguns filósofos dizem que a problemática do conhecer-se não existe nas respostas que se encontram, mas sim nas perguntas bem ou mal construídas; afinal como uma pergunta ruim teria uma boa resposta? Então, o que o silêncio me oferece não são conclusões elaboradas sobre o mundo ou sobre a minha própria pessoa, e sim uma enxurrada de pensamentos inconclusos, interrogativos e instáveis.

Por que te confesso tudo isso? Simplesmente, porque você teve uma visão equivocada da minha ausência de palavras. Olhou-me ao longe, e achou interessante a garota que pouco conversava. Viu-me como um mistério a ser revelado, a destituir-se de uma timidez sensual, e não desconfiou da confusão que morava atrás dos meus lábios cerrados, que se disfarçava nos testemunhos alheios. Queria tuas palavras também, no entanto, sua avidez pelos meus pensamentos empacou nossa relação e tive que aprender um novo modo de lidar com o meu silêncio e com tuas dúvidas, que por vezes eram minhas, passaram a ser minhas. Por tua culpa agora bebo e me cerco de ruídos para não te lembrar, para não ter que ensaiar conversas comigo mesma, acreditando falar contigo. Estou tentando resetar meu sistema operacional, retornando nas minhas pegadas, mas a droga é que você é um vírus sem solução no meu sistema, e eu vou buscando paliativos até aprender a me decodificar, preparando-me para o nosso próximo encontro e algum novo questionamento que não esperava.