Era tarde da noite...
uma garotinha estava andando
destemida pelas ruas da cidade sendo iluminada pela lua cheia de outono. Não
parecia perdida, pois andava com a segurança de quem sabe para onde vai e o que
espera encontrar. Ao passar pela ponte de tijolos amarelos ela se depara com
uma caixa. A caixa era extremamente bela, o tipo de beleza que ultrapassa
tempos e épocas. A caixa estava totalmente fechada e a curiosidade infantil de
saber o que se escondia ali se misturava com o receio do inesperado.
A menina senta-se ao lado da caixa
e parece estar envolvida num diálogo de pensamentos. Ela, então, não resiste à
vontade de tocá-la. A frieza da caixa surpreende a garotinha que num primeiro
impulso a abandona. Mas a caixa como que telepaticamente a convida a
aproximar-se novamente. O metal gelado da caixa começa a esquentar-se ao toque
da garotinha que a envolvia em seus braços como um abraço terno entre amigos de
há muito.
Ela, então, decide levar a caixa
para casa. Ao pensar na palavra ‘casa’ de repente a segurança e certeza da garota
se transformam em dúvida. A palavra ‘casa’ teima em não se transformar em algo
traduzível. A garota pára e tenta lembrar-se que caminhos a poderiam levar a
esse lugar misterioso e aconchegante. Senta-se novamente com a caixa ao seu
colo, a examina com seu olhar curioso e pensa em abri-la.
A insegurança e o súbito medo de
não saber onde está e nem para onde ir se abatem brutalmente sobre a menina que
de forma incontrolável começa a chorar... O cair das lágrimas sobre a caixa
começa a desfazer suas travas e fechaduras tão intrincadas. Ao olhar para
dentro da caixa, ela percebe que suas lágrimas transformam-se em letras que
dançam diante dos seus olhos agrupando-se e transformando-se em palavras. A
menina levanta-se e começa a selecionar as palavras que lhe são familiares e a
formar sua própria história.
Foi-se dito há tempos atrás que seu caminho
era certo e preciso. Que tudo era como deveria ser. Que tudo seria como deveria
ser. Que tudo estava decidido e só era necessário seguir. A insegurança, a dúvida, o não- estar e o não-ser,
novidades a princípio aterrorizantes se transformam no seu sentido de vida. Não saber passa a ser seu grito de guerra e de
paz. Um grito baixinho para não acordar os gigantes. Sentir, eis o seu plano
mais atrevido.
Ela deixa então a caixa aberta,
invisível, inerte e impotente. Segue seu caminho, sozinha, como começou,
sabendo que a beleza estava nela e na poesia que criou. Ela possui tudo!
E os males da caixa? Ficam
guardados para quem os quiser.
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