A verdade é que não possuo paladar, se o tivesse viveria de maneira mais comedida, apreciando todos os seus sabores, dos mais doces ao mais amargos. No entanto, minha gula perante o mundo torna-me faminta, e me satisfaço gastando meus dias a ouvir músicas sem me emocionar com letras ou melodias; a ler livros numa velocidade absurda, sem me apegar a autores ou personagens; a ter passagens curtas pela vida dos que me rodeiam. Sou uma esfomeada sem preferências por cardápios, e sem a sensibilidade dos apreciadores de vinho.
Há um grave problema em se viver assim: quem muito rápido come, ou se engasga, ou então regurgita tudo que foi ingerido. Quando eu me engasgar com a vida, e começar a sufocar, será que irei morrer? Quem poderá me salvar dela? Do seu aspecto de morte, que apesar de ser antítese é verdadeiramente existente?
Talvez seja preferível vomitá-la, pôr para fora tudo que foi oferecido, mordido, misturado, modificado por sucos gástricos, cujo odor nos faz distanciar, e o gosto nos lábios marca a lembrança do nosso pecado capital. E depois que terminado todo o processo como continuar se alimentando da vida, se o mal-estar permanece na memória durante um tempo indefinido? Como, se na retina fica gravada a imagem daquilo, que modificado, nem parecia mais vida? Começamos então a rejeitar tudo que nos é oferecido, enjoamos, e apesar da fome, não é possível comer... Ainda não me decidi se é melhor sufocar ou morrer de fome. Reeducação alimentar não foi uma possibilidade cogitada.
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