Nessa madrugada não ouvi os
passarinhos cantarem como de costume. Acredito que como bons ouvintes,
resolveram reverenciar a chuva que caía desde o início da noite, que agora já se
extinguia. Resolvi então dar-lhes crédito por sua decisão instintiva, e
contemplei a chuva que se debruçava sobre a minha casa e minhas mãos.
Acompanhei o som de cada gota como instrumentos que compunham uma orquestra, e
deixei-me apreciar pelo conjunto de melodias: senti vontade de chorar. Não
sabia o motivo pelo qual meu peito palpitava e me fazia engasgar, não era
tristeza, nem frustração; talvez fosse só constatação.
Dei um passo além do portão, e a
chuva acarinhou meus cabelos. A rua estava vazia, os cães não choravam, e os
gatos trocaram a boêmia por um canto quente em alguma casa qualquer. Naquele
cenário só existia a mim e aquela música, além de uma grande avalanche de
consciência que dizia calmamente sobre a minha ignorância. Sentia-me tão velha,
mas tão criança. Mesmo após tantos anos soube o quão pouco aprendi sobre a
vida, e me perguntei se ainda haveria tempo para recompensar pelo tempo ido.
Caminhei esperando pelo momento
em que nenhum pedaço de mim estivesse seco. Queria ser enchente, fazer parte
intimamente do quadro ao qual pertencia minha rua, e quem sabe então me sentir
menos só. Na música pluvial buscava encontrar exemplos iguais aos meus:
caminhantes da madrugada que lidavam com os problemas da vida sempre como se
fosse a primeira vez, que hesitavam pela imaturidade, mas se entregavam
plenamente, nunca vivendo os dias como cotidianos em doses homeopáticas.
Era bom ser assim? Era
angustiante às vezes, mas não necessariamente ruim, pois era, principalmente, a
forma como eu conseguia viver, como podia. Talvez soasse acomodado, deprimente,
no entanto, havia uma prova favorável ao meu estilo de vida. Na praça ao lado
de minha casa, percebi o quanto havia caminhando, não fisicamente, mas
temporalmente: apesar de todos os percalços, falta de tato, e a inexistência de
uma fórmula do “viver bem”, eu tinha chegado até aqui. Cheguei a um conjunto de
possibilidades existenciais tão frutíferas quanto a um arquivo de ideias de um bom escritor. Banhada pela madrugada, mesmo me sentindo só, eu sabia que
era minha própria obra, talvez não digna de um Nobel, mas ainda sim meu livro
favorito. Não precisava que outras pessoas concordassem com isso, e
expressassem falas de congratulações por aquilo que elas imaginavam
ser sucesso.
Sentei no banco, satisfeita por
ser quem sou, mas paradoxalmente ansiando ser bem mais, ser além. A chuva
diminuiu, dando lugar aos primeiros espasmos de sol, e erguendo meus braços
para os céus desejei ardentemente asas maiores, largas e brilhantes, alcançar a
estrela solar sem me queimar, ser pioneira para aqueles que as cinco de manhã
começavam ocupar as ruas, e lá no alto, na beira-fim do firmamento encontrar
uma humanidade repleta e numerosa para me integrar.