domingo, 28 de julho de 2013

Por um abrir de asas


Nessa madrugada não ouvi os passarinhos cantarem como de costume. Acredito que como bons ouvintes, resolveram reverenciar a chuva que caía desde o início da noite, que agora já se extinguia. Resolvi então dar-lhes crédito por sua decisão instintiva, e contemplei a chuva que se debruçava sobre a minha casa e minhas mãos. Acompanhei o som de cada gota como instrumentos que compunham uma orquestra, e deixei-me apreciar pelo conjunto de melodias: senti vontade de chorar. Não sabia o motivo pelo qual meu peito palpitava e me fazia engasgar, não era tristeza, nem frustração; talvez fosse só constatação.
Dei um passo além do portão, e a chuva acarinhou meus cabelos. A rua estava vazia, os cães não choravam, e os gatos trocaram a boêmia por um canto quente em alguma casa qualquer. Naquele cenário só existia a mim e aquela música, além de uma grande avalanche de consciência que dizia calmamente sobre a minha ignorância. Sentia-me tão velha, mas tão criança. Mesmo após tantos anos soube o quão pouco aprendi sobre a vida, e me perguntei se ainda haveria tempo para recompensar pelo tempo ido.
Caminhei esperando pelo momento em que nenhum pedaço de mim estivesse seco. Queria ser enchente, fazer parte intimamente do quadro ao qual pertencia minha rua, e quem sabe então me sentir menos só. Na música pluvial buscava encontrar exemplos iguais aos meus: caminhantes da madrugada que lidavam com os problemas da vida sempre como se fosse a primeira vez, que hesitavam pela imaturidade, mas se entregavam plenamente, nunca vivendo os dias como cotidianos em doses homeopáticas.
Era bom ser assim? Era angustiante às vezes, mas não necessariamente ruim, pois era, principalmente, a forma como eu conseguia viver, como podia. Talvez soasse acomodado, deprimente, no entanto, havia uma prova favorável ao meu estilo de vida. Na praça ao lado de minha casa, percebi o quanto havia caminhando, não fisicamente, mas temporalmente: apesar de todos os percalços, falta de tato, e a inexistência de uma fórmula do “viver bem”, eu tinha chegado até aqui. Cheguei a um conjunto de possibilidades existenciais tão frutíferas quanto a um arquivo de ideias de um bom escritor. Banhada pela madrugada, mesmo me sentindo só, eu sabia que era minha própria obra, talvez não digna de um Nobel, mas ainda sim meu livro favorito. Não precisava que outras pessoas concordassem com isso, e expressassem falas de congratulações por aquilo que elas imaginavam ser sucesso.

Sentei no banco, satisfeita por ser quem sou, mas paradoxalmente ansiando ser bem mais, ser além. A chuva diminuiu, dando lugar aos primeiros espasmos de sol, e erguendo meus braços para os céus desejei ardentemente asas maiores, largas e brilhantes, alcançar a estrela solar sem me queimar, ser pioneira para aqueles que as cinco de manhã começavam ocupar as ruas, e lá no alto, na beira-fim do firmamento encontrar uma humanidade repleta e numerosa para me integrar.

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