segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A ti...

Dedico-lhe esta história que ganha maneiras estrangeiras e íntimas, e existe sob forma de antíteses para poder revelar um pouco de quem sou, sobre o mundo que experimento e vivencio. Nessas linhas meio apagadas, debruçarei minha caneta e permitirei escorrer a tinta desenhada pelo movimento de minha mão. Não há o cuidado da escrita japonesa, não existe o pictórico na forma em que escrevo o jota ou qualquer outra letra, no entanto, na conexão que se segue de uma palavra a outra mora uma confissão imagética. Não é minha, não é sua. É um desabafo de sofrimentos revelado nos burburinhos da cidade que não descansa, é um poema unívoco que liga diferentes pessoas. Em qual frase, ideia ou parágrafo você irá me encontrar e se reconhecer?
Cumulosnybums by Deviantart
Ao ouvir o mundo, eu vi uma mulher. Sentidos que se complementam. Ela era linda na simplicidade de sua postura, na composição de seus cabelos, olhos, boca. Vívida, mas frágil. Havia um leve tremor em suas mãos. Na mulher ruiva do balcão do guarda volumes, vi e ouvi sua face; na criança acomodada no carrinho de compras, seu caminhar; na velha a carregar o cesto, suas mãos frágeis. Entre os corredores do supermercado me disseram que ela era toda vida, mas suas mãos estavam doentes. Se seu sorriso era um exemplo perfeito de saúde, seus dedos carregavam o peso de gerações: eram mãos idosas em um corpo jovem.
Isso a entristecia, ela não era boa em falar, articular seus pensamentos com a língua. Ela necessitava escrever, mas suas mãos não deixavam, borravam e machucavam o papel, crime que a frustrava. Há muito tempo ela não escrevia uma carta de amor ou de despedida, o senhor que olhava a prateleira de vinhos me contou com seus olhos. Senti pena pela impotência da mulher das mãos calejadas e gastadas. Queria ajudá-la, mas como? Procurei nos rostos dos transeuntes que faziam compras, observei as mãos que as pessoas levavam as prateleiras, e somente encontrei sujeitos que continuavam a narrar à história da mulher. Decidi então anunciar minha intenção, nos meus gestos e movimentos diários contei a todos que gostaria de salvá-la, eu guardava a cura; tinha mais que confiança nisso, eu possuía fé.
Fui ao caixa, passei lentamente compra por compra, notando que todos me perseguiam com os olhos, na expectativa de que a salvação chegasse e os confortasse. Transformei cada segundo em minutos, somente esperando. Conseguistes me ver diante do caixa a buscar motivação na expressão da funcionária que me atendia?  Tu encontraste nos meus olhos castanhos o desespero do não-encontro?
Embalei minhas compras, o remédio que carregava seria desperdiçado quando colocasse meu pé para fora do estabelecimento. Caminhei sob os olhares fúnebres de todos, e, na fronteira da porta, fui abordada por uma mendiga que me pedia auxílio. Ao me estender sua mão, pude ver os mesmos dedos medrosos e feridos da mulher que enfraqueceu meu coração, então, ao invés de moedas, depositei em suas mãos beijos temperados de esperança. E já transformada em si mesma, não mais pedinte, olhou-me com mais cuidado, e pude então enfim dizer:
"Minhas mãos são tuas, meu espírito compartilha de seus sentimentos, e minha mente está voltada para ti. Entregue-me seus pensamentos, deixe que eles guiem meus dedos, e escrevam o que você já não pode mais."
"Confesso, mea culpa...", sussurrou-me, e na sua aquiescência e entrega todo conjunto do supermercado relaxou e reencontrou sua rotina modificada. Ela se dissolveu em todos nós.

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