Quanta alegria e quanta tristeza podem habitar em um só lugar!
É apenas mais um dia comum de passos apressados em direção ao trabalho. Correndo contra o tempo, contra os carros ainda mais apressados e contra as pessoas lentas que insistem em bailar na minha frente.
Em certo ponto do caminho sempre me deparo com esta imagem peculiar: um homem com olhos cheios de histórias, acompanhado por uma melodia sem fim. Ao seu lado estende-se mais um desabrigado que tenta proteger-se do frio em meio a bicicletas e cobertores velhos. A música embala seu sono e percebo uma expressão de calma e tranqüilidade em meio a um cenário que parecia ser trágico.
A música que embala o sono do desabrigado é a mesma que me conduz, tirando-me por um breve momento da minha rotina. E o homem sorri, com a calma de quem sabe o que faz no mundo. Ele vende CDs, ele distribui sorrisos, ele me vê passar. Semanas seguidas, porém, observo o silêncio onde antes era tudo canção. Este silêncio incomoda, pois a doce melodia daquele homem era minha fuga temporária de uma rotina fatigante. Era meu momento de contemplação. E por mais uma semana tenho que caminhar em silêncio.
Mas, ao descer do ônibus hoje senti uma sutil diferença no ambiente. O silêncio era o mesmo de alguns dias atrás, mas no momento em que passei em frente à barraca de CDs a voz de Luís Gonzaga começou a ecoar nos meus ouvidos e uma chuva fina de inverno começa a cair. Pode ter sido uma mera coincidência, mas eu prefiro acreditar que foi pra mim. Hoje meu dia não ia ser uma tela em preto e branco. Hoje eu ia pintar meu próprio jardim secreto.
Sentado em sua cadeira, tentando se aquecer nessa manhã de inverno, o seu olhar me convida para dançar. Aceito o convite e começamos a bailar em meio a alegrias e tristezas compartilhadas. Infelizmente nem todos ao redor conseguiam ouvir a música tão alegre que conduzia nossos passos.
E hoje eu cheguei ao trabalho uma hora depois. Depois da canção, depois da chuva, depois da vida.
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