Sorriso de civilidade
Ela volta-se para trás com a terrível certeza do que irá avistar. Seu coração nunca mente; num instinto de automutilação ela quer ver, ela precisa ver o que se passa ali, logo ali, no balcão atrás de si. Seus amigos conversam. Ela sorri, responde, pergunta e discretamente observa os pedacinhos de seus sonhos flutuando em frente aos seus olhos, sendo levemente carregados pelo vento e misturando-se a fumaça dos cigarros à sua volta. Eles caem no chão como as folhas de outono. Ela chora lágrimas invisíveis, mas o seu rosto exibe um sorriso de mulata em dia de carnaval (ela é tão bonita sorrindo!). Oh! Abram alas que ela vai passar...
Ela levanta-se, tenta ir embora, despede-se, cumpre as formalidades de pessoas educadas e a civilidade a obriga a ficar. Sentindo que seu coração não cabe mais em um corpo só, quer correr livremente pelas ruas da cidade gritando, procurando por alguém que aceite o convite “Deixe-me dividir com você o meu coração”. Mas, ela senta, espera e sofre, ou seja, vive. Só aos loucos é permitido agir espontaneamente. Enfim, ela se vai sozinha e ele fica. Acompanhado e feliz.
No dia seguinte ele lhe sorri e ela sorri de volta, um sorriso de complacência, de aceitação. Dessa vez, ele se vai, mais feliz do que nunca esteve em sua vida. Essa felicidade lança-se contra o peito dela como uma faca de serra desgastada pelo uso, fazendo suas forças se extinguirem como o gelo que aos poucos desaparece no seu copo de whisky, e o whisky também desaparece. E ela fica. A Lua indiscreta revela o seu segredo. Exibe cruelmente as suas lágrimas, fazendo-a admitir a sua humanidade.
E ela descobre essa noite que não é um anjo, ela não sabe mais voar.
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