terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Há um bar no centro da cidade, perdido entre as luzes fugazes de néons, ruas estreitas e vitrines armadilhas de desejos. Ele se esconde não por simples vontade, mas porque faz parte de sua atmosfera essa inclinação para a discrição, ampliada por todos aqueles que o frequentam: homens infiéis, mulheres da vida, depressivos alcoólicos, filósofos noturnos, estereótipos de contos de mistério ou do quê era vulgar nos anos 20.
Idealista, uma mulher se aproxima do balcão, e pede uma cerveja, mesmo sujeita as piadas da clientela presente. Ela bem que gostaria de beber à un coup uma dose de whisky, viver um delírio russo ao se embriagar com vodka ou enxergar o mundo através de garrafas de gengibre, no entanto, o seu estômago a deprime e seu sangue a humilha ao não agüentar sequer uma dose de qualquer bebida alcoólica dessa espécie. Suspira, e bebe sua cerveja analisando as pessoas presentes no bar, ela quer ser escritora e faz dessa noite seu laboratório. De jeans velho, tênis sujo, sem maquiagem e com uma blusa meio hippie comprada em um brechó, ela observa torcendo para não chamar a atenção de ninguém, preocupação desnecessária, já que alguns a vêem, mas ninguém realmente olha.
Escolhe uma mesa mais escura, e assiste uma falsa ruiva cercar seu homem como uma mãe que protege sua ninhada; as outras mulheres os cumprimentam de longe, os outros homens riem discretamente do outro. Por que existem amores tão possessivos e agressivos? Dentro das diversas formas de amar, é possível classificá-las em certas e erradas? Como seres humanos, caminhamos na fronteira daquilo que nos eleva e nos abomina, só que na maioria das vezes acontece da linha fronteiriça ser mais larga ou mais estreita do que pensamos. Então amaremos quase sempre errado, mesmo tentando amar certo. A mulher de fogo levanta o debate, e o cara se esconde em seus braços; ele talvez não precise de mais ninguém além dela, então aceita seus ciúmes não por submissão, mas por necessidade.
A aspirante a escritora muda o quadro, e visualiza outra mulher: loira, olhos grandes e castanhos, vestido envelhecido e um tanto puído. Ela lhe lembra June, a de Nin e Miller. Bonita, ciente de seus encantos, sempre rodeada por homens e mulheres. Enérgica, quente segurava a atenção de todos que riem por ela, tornando-a os seus centros. Apaixonados não visualizaram o todo, não viam seus momentos de insegurança, grandes segundos em que ela olhava o abismo e sentia vontade de cair, se entregar. Era o fato de ser composta por esse paradoxo que lhe tornava tão atraente, era do tipo que podia causar dores mesmo não querendo, mas que se entregava ao ofício da tortura com volúpia, alheia a sua vontade, para depois se entregar ao desespero do arrependimento.
Desvinculando-se da cena, a jovem cruzou seu olhar com o de uma terceira mulher, de traços espanhóis usava um vestido preto de rendas sentada solitária no balcão. Tímida baixou os olhos, mas sentia uma curiosidade crescente, um desejo consciente decifrar os traços da outra, desvendar palavras ocultas nos cabelos soltos e a psicologia nas curvas insinuadas pelo vestido. Olhou novamente, todavia a mulher já não estava lá, e assustada percebeu que ela caminhava em sua direção, até sentar ao seu lado, numa proximidade que não era apropriada para desconhecidos.
_Qual seu nome?_ os lábios desavergonhadamente rubros sussurraram.
_ Luiza, e o seu?
Ignorou a pergunta da outra, e tirou o cigarro da cigarreira.
_Por que só observa e não participa?
_Porque quero descobrir o que posso aprender com essas pessoas._ respondeu sem se importar pelo silêncio do nome.
_Você arrisca muito pouco, não é? Não sabia que se aprende muito mais vivendo, deixando-se envolver, oferecendo-se às experiências, abandonando a margem da vida, mesmo que às vezes isso signifique chafurdar na lama?
Eternamente enrubescida, a outra não respondeu.
A mulher deixou seu isqueiro cair, ao apanhá-lo deixou aparecer um longo decote em suas costas, e roçou seus seios na perna daquela que queria escrever sobre o mundo sem participar dele, aquela que até então não tinha levado a sério todas as suas experiências desde as mais simples como o sabor do almoço de domingo até a tragédia de um amor mal-sucedido.
_Preciso ir ao banheiro._ falou meio gaguejante a escritora-noviça.
Entrou ofegante no banheiro, e abriu a torneira com as mãos trêmulas. Pensava em como era absurdo alguém imaginar que ela poderia ser tão imatura desse jeito, ela não era como uma folha em branco. Não. Sem perceber foi abraçada pela mulher de olhos negros dizendo:
_Apesar de minhas observações, nunca achei que você fosse uma folha em branco...
Luiza se virou assustada sem se soltar dos braços quentes da outra, e em um desespero surdo perguntou baixinho:
_Quem é você?
_Você sabe quem sou, vim pelo trato. Aceite o pacto, aceite-me. Descubra um mundo de possibilidades._ disse a outra sedutoramente.
Após um longo suspiro, relaxada pela resignação e pela vontade moldada pela curiosidade, veio a óbvia resposta.
_Aceito.
Fechou os olhos e após a brevidade de um beijo a garota de cabelos curtos despenteados abriu seus olhos para ver o cursor do computador piscar em uma página escrita, a última de inúmeras outras:
Alter Ego
Um filme por Luiza B.

Nenhum comentário:

Postar um comentário