terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Há um bar no centro da cidade, perdido entre as luzes fugazes de néons, ruas estreitas e vitrines armadilhas de desejos. Ele se esconde não por simples vontade, mas porque faz parte de sua atmosfera essa inclinação para a discrição, ampliada por todos aqueles que o frequentam: homens infiéis, mulheres da vida, depressivos alcoólicos, filósofos noturnos, estereótipos de contos de mistério ou do quê era vulgar nos anos 20.
Idealista, uma mulher se aproxima do balcão, e pede uma cerveja, mesmo sujeita as piadas da clientela presente. Ela bem que gostaria de beber à un coup uma dose de whisky, viver um delírio russo ao se embriagar com vodka ou enxergar o mundo através de garrafas de gengibre, no entanto, o seu estômago a deprime e seu sangue a humilha ao não agüentar sequer uma dose de qualquer bebida alcoólica dessa espécie. Suspira, e bebe sua cerveja analisando as pessoas presentes no bar, ela quer ser escritora e faz dessa noite seu laboratório. De jeans velho, tênis sujo, sem maquiagem e com uma blusa meio hippie comprada em um brechó, ela observa torcendo para não chamar a atenção de ninguém, preocupação desnecessária, já que alguns a vêem, mas ninguém realmente olha.
Escolhe uma mesa mais escura, e assiste uma falsa ruiva cercar seu homem como uma mãe que protege sua ninhada; as outras mulheres os cumprimentam de longe, os outros homens riem discretamente do outro. Por que existem amores tão possessivos e agressivos? Dentro das diversas formas de amar, é possível classificá-las em certas e erradas? Como seres humanos, caminhamos na fronteira daquilo que nos eleva e nos abomina, só que na maioria das vezes acontece da linha fronteiriça ser mais larga ou mais estreita do que pensamos. Então amaremos quase sempre errado, mesmo tentando amar certo. A mulher de fogo levanta o debate, e o cara se esconde em seus braços; ele talvez não precise de mais ninguém além dela, então aceita seus ciúmes não por submissão, mas por necessidade.
A aspirante a escritora muda o quadro, e visualiza outra mulher: loira, olhos grandes e castanhos, vestido envelhecido e um tanto puído. Ela lhe lembra June, a de Nin e Miller. Bonita, ciente de seus encantos, sempre rodeada por homens e mulheres. Enérgica, quente segurava a atenção de todos que riem por ela, tornando-a os seus centros. Apaixonados não visualizaram o todo, não viam seus momentos de insegurança, grandes segundos em que ela olhava o abismo e sentia vontade de cair, se entregar. Era o fato de ser composta por esse paradoxo que lhe tornava tão atraente, era do tipo que podia causar dores mesmo não querendo, mas que se entregava ao ofício da tortura com volúpia, alheia a sua vontade, para depois se entregar ao desespero do arrependimento.
Desvinculando-se da cena, a jovem cruzou seu olhar com o de uma terceira mulher, de traços espanhóis usava um vestido preto de rendas sentada solitária no balcão. Tímida baixou os olhos, mas sentia uma curiosidade crescente, um desejo consciente decifrar os traços da outra, desvendar palavras ocultas nos cabelos soltos e a psicologia nas curvas insinuadas pelo vestido. Olhou novamente, todavia a mulher já não estava lá, e assustada percebeu que ela caminhava em sua direção, até sentar ao seu lado, numa proximidade que não era apropriada para desconhecidos.
_Qual seu nome?_ os lábios desavergonhadamente rubros sussurraram.
_ Luiza, e o seu?
Ignorou a pergunta da outra, e tirou o cigarro da cigarreira.
_Por que só observa e não participa?
_Porque quero descobrir o que posso aprender com essas pessoas._ respondeu sem se importar pelo silêncio do nome.
_Você arrisca muito pouco, não é? Não sabia que se aprende muito mais vivendo, deixando-se envolver, oferecendo-se às experiências, abandonando a margem da vida, mesmo que às vezes isso signifique chafurdar na lama?
Eternamente enrubescida, a outra não respondeu.
A mulher deixou seu isqueiro cair, ao apanhá-lo deixou aparecer um longo decote em suas costas, e roçou seus seios na perna daquela que queria escrever sobre o mundo sem participar dele, aquela que até então não tinha levado a sério todas as suas experiências desde as mais simples como o sabor do almoço de domingo até a tragédia de um amor mal-sucedido.
_Preciso ir ao banheiro._ falou meio gaguejante a escritora-noviça.
Entrou ofegante no banheiro, e abriu a torneira com as mãos trêmulas. Pensava em como era absurdo alguém imaginar que ela poderia ser tão imatura desse jeito, ela não era como uma folha em branco. Não. Sem perceber foi abraçada pela mulher de olhos negros dizendo:
_Apesar de minhas observações, nunca achei que você fosse uma folha em branco...
Luiza se virou assustada sem se soltar dos braços quentes da outra, e em um desespero surdo perguntou baixinho:
_Quem é você?
_Você sabe quem sou, vim pelo trato. Aceite o pacto, aceite-me. Descubra um mundo de possibilidades._ disse a outra sedutoramente.
Após um longo suspiro, relaxada pela resignação e pela vontade moldada pela curiosidade, veio a óbvia resposta.
_Aceito.
Fechou os olhos e após a brevidade de um beijo a garota de cabelos curtos despenteados abriu seus olhos para ver o cursor do computador piscar em uma página escrita, a última de inúmeras outras:
Alter Ego
Um filme por Luiza B.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Acordei cansado e atrasado, precisei correr para o trabalho, e tive que me contentar com o café doce e morno-frio do Instituto. No entanto, não me sinto de mau-humor, só resignado por estar aqui, no fundo não gostaria de ter me levantado da cama hoje, nem ontem e acredito que amanhã não será muito diferente. Essa sensação virou rotineira, e já não me incomoda mais, aceito como fato dado, algo natural. E assim sigo meus dias sem grandes complexos e sem culpas pela ausência de reação.
É meia-noite, e meu turno termina no início da manhã, por ser feriado somente eu trabalharei em meu setor hoje. Encaro a porta do laboratório de necropsia respirando fundo até ouvir risos abafados sem seu interior.
_Tsc...
O Andrade trouxe outra de suas “namoradas” malucas, uma daquelas mulheres que vêem um morto e depois transam cheias de êxtase e fúria como se fosse para provar a si mesmas que, ao contrário do cadáver que viram, estão realmente vivas. Eu entro, não posso mais esperar pelas preliminares alheias. Dou de cara com um homem de cinqüenta anos, agredido pelo tempo mais emocional do que fisicamente, de traços vulgares e vocabulário repleto de segundas intenções e trocadilhos, que tenta roubar um beijo de uma morena quaretona com alguns fios grisalhos vestida como uma menina de quinze anos.
_ Quem é ele, Andrade? Você não me disse que teria alguém aqui.
_ Ah, belezoca, esse daí é só nosso garoto do Instituto. Tiago, esta é a Célia. Pequena, este é o Tiago.
Sem olhar para ela, aceno em sua direção. Mudando-se as mulheres, essa cena já me era recorrente.
_ Tiago, tchau, já vamos indo. Eu e essa garota vamos curtir a noite toda hoje, de todos os jeitos e posições._ Ele ri, e a “garota” finge um constrangimento que não possui.
_ Não fala isso pro menino, Andrade. Um beijo, garoto, nos vemos por aí.
Estou só, e me sinto melhor do que poderia estar na companhia de alguém. Olho as fichas do dia. Andrade me deixou um corpo já em avaliação para que eu terminasse. Abomino seu desleixo. Não queria terminar seu serviço, simplesmente porque trabalhamos diferente, mas não posso fingir que não há um cadáver em cima daquela maca recoberto por um lençol, então me dirijo a ele.
Puxo o pano, e encaro uma jovem loira numa relação indiscutivelmente unilateral, seu nome na ficha é Amália, tinha 27 anos. Olho seu rosto tonalizado pela morte, levanto uma de suas pálpebras, e tento ler nas manchas castanhas de seus olhos azuis a trilha sonora de sua vida. Sempre faço isso antes de começar, é como ler a borra de café em uma xícara e adivinhar o futuro pelas marcas do que foi bebido; no meu caso busco o que se foi e não possui retorno. Toco seus dedos manchados pela tinta presa nas digitais, e em meu íntimo acredito conhecer sua música tema. Há uma semana tinha escolhido AC/DC para um alcoólatra vítima de um ataque cardíaco, por quê? Não sei, ele só me parecia ter caminhado pelo inferno um tempo. Caminhei até o rádio, e o desliguei da tomada. Para Amália, a música era o silêncio.
Andrade já havia analisado seu cérebro e a maior parte de seus órgãos internos, faltava dar o parecer de seu coração e pulmões. Não tive muitas conclusões a mais para incorporar a avaliação dele, e depois de dedicar quase duas horas a pensar sobre sua causa mortis, empreendi o exercício de dar sentido as marcas de sua vida. Refleti sobre a raiz de seu cabelo não retocada, se seria somente desleixo, falta de tempo ou um projeto futuro de mudança. Inventei uma história adolescente para seu segundo furo na orelha, algo a ver com pacto entre meninas de amizade eterna. Na cicatriz do seu queixo, encontrei a lembrança de uma criança levada que fugia das professoras para brincar. Seus pulmões me revelaram uma nadadora formidável. Em suas coxas, a marca dos dentes, um amor passional, profundo e extremo. No ventre, a marca da cesariana de um filho já nascido morto.
Procurei por todo seu corpo as possíveis histórias de sua vida, divaguei e filosofei sobre suas boas e más decisões para que eu não esquecesse sobre o que significa viver, para que eu não me deixasse levar pela grandiosidade da morte querendo tornar a vida pequena. Para que eu aprenda morrer todos os dias e seja capaz de fazer minha própria necropsia, verdadeiramente autópsia. Filósofo de mim, sem mais resignação, morto-vivo para o engrandecimento da vida.
_ Obrigado, Amália, por seu pedaço de silêncio.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011


Deitada, ela vive sua madrugada insone. Não consegue se levantar e caminhar de um lado para o outro, e assim expressar algum tipo de revolta por mais uma noite sem sono. A verdade: não há sequer uma sombra de rebeldia em seu corpo,nem a vontade que impulsiona os sujeitos pela vida, há somente uma voz interior que diz "não saía da cama".
O relógio digital anuncia o passar das horas, e o tiro deflagrado na rua ressoa por todo apartamento harmonizado com um grito masculino. "Não saía da cama!" Obedecendo, ela se encolhe no seu pijama negro, e vive o luto de coisas que morreram dentro dela nessas últimas noites. Algos que não consegue identificar, mas que ela aceita perder, porque perante a morte somos todos pequenos.
Barulho de ambulância: esperança para quem agonizava na rua? Para ela somente sonhos de morte vividos de olhos abertos. Vigília em um sábado de aleluia, à espera das noites de renascimento, ansiando pela chegada da páscoa das vontades.
"Não saía da cama..."


sábado, 26 de novembro de 2011

Meu coração ganhou uma leve rachadura. E agora se tornou aquela espécie de artigo para decoração que não conseguimos nos desfazer, mas não temos dinheiro para restaurar. Ele faz parte da composição da casa, e mesmo rachado não ousamos retirá-lo do lugar. Sempre esteve lá, e precisa estar sempre lá, mesmo que sua fragilidade venha à tona, mesmo que sejamos acusados de descuidados, cafonas, simplórios. É como olhar para uma porcelana branca amarelada em algumas partes. Rachada. Ranhura do tempo, do uso. Coração que ama, e apesar do gasto ainda guarda flores singelas que presenteiam a paisagem, a atmosfera da casa, os olhos de quem chega.
Coração-vaso-porcelana que ama e amará; profecia que ecoa na boca dos amantes, pois vaso ruim não quebra, não pode quebrar...

sábado, 1 de outubro de 2011


O quarto era 222
O dia era 22
Os corpos eram 2
O desejo era 1

O silêncio nos abraçou
O nosso corpo se encontrou
e a lua se escondeu

O céu testemunhou
A cidade se calou
e o dia amanheceu

O galo então cantou
A flor desabrochou
e o medo se perdeu.

O que fazer quando não se tem pontes,
parques,
bancos,
praças,
vinho,
vodca,
frio,
museus?
O que fazer quando se deseja uma imagem em preto e branco e o mundo é colorido?

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Por favor, sem absolvições

Não quero relatar fatos históricos de minha vida para dar-lhes um tom de erros, pecados e arrependimentos, todavia quero te falar da minha profundidade, da minha loucura banal de querer sentir o mundo a todo o momento, mesmo nas coisas ínfimas.
Preciso confessar que ao acordar pela manhã, muitas vezes não quero me levantar. Fico na cama com os olhos doendo, revirando-me para alcançar qualquer pedaço de sono e sonhos que ainda repousassem em mim. Não é nada trágico, não é porque eu ache que não vale a pena viver o dia-a-dia, é que pela manhã bem cedo parece ser o melhor horário para reflexões sobre si, compreende? Com aquela luz leve entrando pela janela e o som dos passarinhos cantando, acasalando, mal educados sem me darem bom dia, se bem que há a possibilidade de me darem e eu ainda não aprendi a falar passarinhes (aqui estou eu fazendo meu papel de relativizar, afinal, pobres pássaros).
Confesso que eu vejo algo escondido por trás das folhas das árvores, não são gnomos, nem borboletas, mas um mosaico de verdes que se modifica ao vento, ao sol, ao passar das estações. Algo parecido acontece com as nuvens, existe algum segredo nelas, na verdade espero que haja vários; adoro as nuvens no céu, acho triste quando o ele é tão límpido, pois sobre o quê pensarei quando estiver sentada olhando pela janela do ônibus?
Tudo bem, admito também que comédias românticas às vezes podem me ser tão reveladoras, acho que para isso existem os clichês, para nos forçar a pensar em banalidades que só são comuns por serem cotidianas, e não por serem destituídas de valor. Claro que o clichê pode ser político também, como um ensinamento homogêneo de algo, mas é incrível como há tantas formas de se revestir um clichê. Fato.
Adoro conversas sem noção, como essa autodeclaração. Conversar sobre o sabor de cafés, chás, vinhos e cervejas. Falar sobre músicas como na cena inicial de “Cães de aluguel” ou sobre como você me faz mais apaixonada só porque franze a testa de uma maneira tão peculiar. Conversar e compartilhar minha caneta roxa contigo, para jogar seu telefone fora depois. Anda a noite e não sentir calor, e pensar que adoraria dividir as ruas com meus amigos e rir cantando em espanhol com eles. Ouvir suas histórias e me sentir lisonjeada por ser a pessoa a ouvi-los, e ter meus dedos formigando pela necessidade de entregar-lhes bilhetes reveladores do meu afeto.
Ah, como adoro olhar para o mundo e para as pessoas que todos os dias me tornam repleta para depois me retirar tudo ao me jogarem em um abismo da não-criatividade: perdão, eu preciso de culpados, quando não puder assumir a culpa só.
Confesso-te tudo isso como uma avalanche, um rio que destruiu sua represa, como uma chuva que esperou meses para cair ao chão, porque vejo quão natural é minha confissão, como água, como neve, como incêndio em dias de calor. E hoje realmente não me importo se minhas palavras te cheguem bem ou mal escritas; quero que seja tosco, rude, mas válido e sincero. Pela minha confissão não desejo absolvição.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

... ... ...

Ontem ouvi que o universo é um grande lençol branco, e que em suas tessituras tudo se conecta. Conexões dial-up barulhentas e demoradas, pensamentos em espasmos com risco de cair o tempo todo.

Olho a tela do computador e a percebo como minha extensão eletrônica, o acesso a rede me revela as inúmeras possibilidades do conhecer, portanto, entrego-me facilmente a minha matrix doméstica.

Lembro do meu café da manhã, e penso na origem das coisas; do leite da vaca presente na manteiga e queijo, penso no animal e nas mãos humanas que passaram por aquele produto até mim, e em como amanhã isso não terá a mínima importância.

Vejo minha mãe, e calculo a incalculável profundidade de nossa relação: ela sou eu, eu sou ela, conectadas. Independente do meu nível de consciência sobre isso, por mais diferentes que sejamos, fazemos parte de uma mesma coisa. Lençóis universais.

Mas vivemos a era dos solitários: solidão como fruto de conexão, como explicar? Como pode ser real a distância?

Se estamos na mesma linha, por que não nos alcançamos? E eu sigo gritando: Corra! Corra para mim...

sábado, 13 de agosto de 2011

(O primeiro escrito)

Essa história foi esquecida há muito tempo. Poucos são aqueles escolhidos que conseguem lembrar e passar a diante, no mundo onde as imagens dizem tudo, nem todos conseguem ouvir; onde tudo é muito veloz, nem todos querem esperar; na busca da felicidade imediata, o final dessa história não convenceu, por isso se perdeu. Mas existem aqueles que fogem a norma da existência, eles vivem para perpetuar a mágica cotidiana, lembrando a todos que a história da humanidade é repleta de fantasia, caminhos, jornadas, de superação ou definição de destinos.
Mas apesar de tudo, das inúmeras tentativas de fazer o futuro conhecer sua ancestralidade, muito se perde. Grandes histórias desapareceram, inúmeras sagas deixaram de ser contadas; lágrimas foram poupadas, e também risos e esperanças.
Essa história foi esquecida há muito tempo, e só pôde ser contada novamente, hoje, porque surgiu como um sonho. Ela foi devolvida naquelas horas, em que achamos que nada fazemos, e silenciamos; sussurrada em nossos ouvidos sem que pudéssemos perceber. No entanto, quando acordamos, poucos de nós se lembraram, outros só vislumbraram imagens fugidias, mas não compreenderam o que viram. A dádiva foi momentânea. Mas a você, entrego-te escrita, eternizada num papel; até que o tempo leve-a novamente embora da minha e da sua memória e da frágil tinta que beijou essa carta.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Ao meu futuro amor



que seja leve
que seja intenso
que seja breve
que seja eterno
que seja clichê
que seja moderno
que tenha gosto de chuva e cheiro de madrugada
que tenha sabor de fruta e cheiro de terra molhada.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Quando você me olha, o que consegue aprender sobre mim?
O que é capaz de aprender comigo?

domingo, 3 de julho de 2011


In the backyard

Chickens

In the houses

Kitchens

In them

Eggs

In the crack of dawn

I put them in little bags.


I want to be an Angel

or maybe a bird

Take off my wings

and learn how to land

These wings weigh on my shoulders

I’m not an angel to wear them

I just want to swim

And discover who I really am.


Dear Liberty

Who are you?

I know nothing but your name

Introduce yourself to me

Let me be free too


Cool!

unbearable word

that annoys me deeply

Cool!

What does it say to you?

empty word

Without life, without soul

to me it doesn’t say anything.

Protesto Silencioso


Pensando em ti...
inesperadamente me veio à mente a palavra ‘presente’. Pensei em tuas viagens, em tuas ausências, em teus silêncios e de repente me dei conta do quanto ‘presente’ é algo importante pra mim. Nunca tinha refletido sobre isso até este momento de ficar aqui de pé observando a expressão nos teus olhos ao voltar mais uma vez de tua viagem. Cada lembrança que trouxeste para os teus queridos transformava-se na imagem que se configurava em tua mente no momento da compra.
Seria a data de meu nascimento tão importante ao ponto de me punires com a falta de presentes por eu julgá-la uma data comum?
Queria apenas olhar para as tuas mãos envolvendo uma caixa decorada contendo um papel que diz: ‘Neste momento te vi’. Deixo aqui o meu protesto silencioso, como forma de não pensar.



quarta-feira, 22 de junho de 2011


Ontem fui seda

Hoje sou espinho

Não me venha com essa tristeza

Agora sou passarinho.


Quanta alegria e quanta tristeza podem habitar em um só lugar!

É apenas mais um dia comum de passos apressados em direção ao trabalho. Correndo contra o tempo, contra os carros ainda mais apressados e contra as pessoas lentas que insistem em bailar na minha frente.

Em certo ponto do caminho sempre me deparo com esta imagem peculiar: um homem com olhos cheios de histórias, acompanhado por uma melodia sem fim. Ao seu lado estende-se mais um desabrigado que tenta proteger-se do frio em meio a bicicletas e cobertores velhos. A música embala seu sono e percebo uma expressão de calma e tranqüilidade em meio a um cenário que parecia ser trágico.

A música que embala o sono do desabrigado é a mesma que me conduz, tirando-me por um breve momento da minha rotina. E o homem sorri, com a calma de quem sabe o que faz no mundo. Ele vende CDs, ele distribui sorrisos, ele me vê passar. Semanas seguidas, porém, observo o silêncio onde antes era tudo canção. Este silêncio incomoda, pois a doce melodia daquele homem era minha fuga temporária de uma rotina fatigante. Era meu momento de contemplação. E por mais uma semana tenho que caminhar em silêncio.

Mas, ao descer do ônibus hoje senti uma sutil diferença no ambiente. O silêncio era o mesmo de alguns dias atrás, mas no momento em que passei em frente à barraca de CDs a voz de Luís Gonzaga começou a ecoar nos meus ouvidos e uma chuva fina de inverno começa a cair. Pode ter sido uma mera coincidência, mas eu prefiro acreditar que foi pra mim. Hoje meu dia não ia ser uma tela em preto e branco. Hoje eu ia pintar meu próprio jardim secreto.

Sentado em sua cadeira, tentando se aquecer nessa manhã de inverno, o seu olhar me convida para dançar. Aceito o convite e começamos a bailar em meio a alegrias e tristezas compartilhadas. Infelizmente nem todos ao redor conseguiam ouvir a música tão alegre que conduzia nossos passos.

E hoje eu cheguei ao trabalho uma hora depois. Depois da canção, depois da chuva, depois da vida.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Na encruzilhada

Correndo para o trabalho. A maioria corria para seu emprego, sustento, patrões, salário, expediente. Havia aqueles que somente andavam, olhavam vitrines e alimentavam o trabalho dos que corriam para cumprir a escala. Carros buzinavam, e ônibus chegavam ao Centro carregados de passageiros: estudantes em férias, trabalhadores sonolentos, líderes enérgicos. Eu também corria, na verdade era um passo apressado com destreza suficiente para não tombar em nenhum passante, ofegava por ter acabado de subir a ladeira da Getúlio Vargas, e continuava meu caminho pela avenida, rezando ao oculto para que desse tempo.
Tempo. Todos precisamos dele, mas atualmente é uma das coisas que mais nos faz falta. Passamos velozes pelos dias, ou são os dias desatentos que passam por nós? Pense no que fez semana passada, lembre-se das últimas palavras de amor que sussurrou no ouvido de alguém, pergunte-se como chegou até aqui, isto é, se conseguir tempo para isso. Em um mundo onde tudo se vende, compra, rouba; não existe tempo nas prateleiras, nem uma migalha sequer, no entanto, estamos todos calmos, acostumados a correr, desesperamos-nos por outras coisas menos importantes.
Avançando pela rua, após passar a Senhor dos Passos, a Prefeitura, as farmácias, freei meus pés, e esperei o sinal fechar com várias pessoas inquietas ao meu lado. No aglomerado de pessoas, do qual eu fazia parte, só vi um homem arrumado que transmitia uma serenidade assustadora destoando completamente do barulho de carros, pessoas e de suas expressões de estresse. Seu rosto me incomodava, dizia que parecia não se importar com a minha pressa, porque ele possuía aquilo que eu menos tinha: tempo. Três, dois, um, amarelo, vermelho. Carros parando, e nós atravessando a faixa, quer dizer quase todos nós, o senhor bem vestido parou no meio dela, enquanto pessoas corriam de um lado a outro. Eu não podia parar, precisava continuar meu caminho, mas o rosto dele segurou meus pés, olhei-o e enxerguei calma e uma busca. Era um rosto maduro marcado pelo tempo em rugas delicadas, emoldurado por cabelos grisalhos bem penteados, possuidor de olhos brilhantes que pareciam presentear a terra com lágrimas cotidianas. O sinal está prestes a abrir, os carros na primeira fila buzinam, mas ele elevou seu rosto ao céu, para segundos depois estender seu corpo sobre a faixa. Verde. Mais buzinas, os motoristas gritam, somente uma fileira de carros consegue se mover na J. J. Seabra. Penso no trabalho, em quanto aquele homem é louco e o inconveniente de seu ato, penso nas pessoas, que como eu, assistem ao espetáculo.  Gritos clamam pela polícia, motoristas ameaçam passar por cima, o dono do Chevette ameaça tirá-lo de lá a pontapés. O homem não se aflige, não tem medo, são nove horas da manhã, e ele puxa uma arma de dentro das calças. As pessoas recuam amedrontadas, o motorista inconscientemente levanta as mãos e se afasta devagar pedindo desculpas, enquanto o outro aponta a arma para a própria cabeça.
Segurei a respiração: veria um suicídio estúpido em primeira mão, e teria uma desculpa para o meu atraso. Os policiais chegam, e tentam argumentar com o sujeito deitado, em volta uma multidão espreita e espera o resultado. A resposta do cara é simplesmente: “se tentarem me tirar daqui, mato-me”. Falou essas poucas palavras com a face tranqüila, não havia medo ou desespero dos suicidas, tudo parecia calculado e certo, o que tornava toda a cena menos dramática. Perguntava-me sobre o motivo para tudo aquilo, por que aquela rua? Para quê a arma? E por que eu insistia em ver?
A TV chegou, a repórter de fala estranha começou a gravar com seu discurso sobre a situação trágica no centro de Feira de Santana. Enquanto isso, mais conversas. Um policial pede ajuda especializada, chamem um psicólogo, o médico mais importante da contemporaneidade. Eu grito: sou psicólogo, posso ajudar, deixem-me passar. Mentira. Posso ser um grande mentiroso às vezes, mas dessa vez algo antecedeu a farsa, foi uma mentira inconsciente. Não tinha idéia de porque fazia aquilo, acho que queria ver o homem mais de perto, entendê-lo, afinal ele me havia dado um atraso justificado, e eu senti uma necessidade de retribuição.
Sentei-me ao seu lado, ele nada fez ou disse, somente me olhou e depois retornou seu olhar para o céu azul com algumas nuvens. Apresentei-me, perguntei se sentia bem, sua resposta indicava que estava bem melhor agora, continuei tentando entabular uma conversa, todavia o homem não mais respondia. Meu corpo por impulso se deitou próximo ao dele no asfalto relativamente quente, minha mente buscava as respostas naquilo que ele via, por trás daquelas nuvens encorpadas estaria escondidos seus segredos, medos, desafetos.
Pensava em quem era aquele homem, no que o levou até ali, imaginei se não era um assassino buscando expiação dos pecados de uma maneira estranha; baixei meus olhos para sua mão esquerda, e percebi por alguma intuição humana secular, que não era a mão de um assassino. Refleti então se não era eu a pessoa a buscar o perdão, olhar os céus na tentativa de encontrar anjos da relatividade que fizessem o tempo passar mais devagar, caso eu fosse um bom menino, caso preenchesse minha vida de maiores significados re-aprendendo a sentir o sabor das comidas, o cheiro das pessoas, o toque de quem se ama. O homem lunático deitado na faixa de pedestre mudava minha vida.
Enquanto me perdia nas minhas próprias reflexões, o homem me sussurrou: “será que foi este o mesmo céu que ela viu naquele dia?”. Eu estranhei e perguntei sobre quem ele falava, todavia somente continuou: “algumas semanas atrás, ela estava aqui deitada neste local, não numa posição mais confortável que a minha, seus membros estavam numa posição estranha como em um quadro mal calculado. Seu peito subia e descia rapidamente na busca desesperada pelo fôlego, e seus olhos tão abertos não me viam, fitavam somente esse céu semi-emoldurado por fios elétricos. Queria me permitir a mesma visão de sua morte, ela tinha 15 anos”.
Então, compreendi o mistério. Levantei-me e, enquanto, dava as costas, aquele homem destravou a arma e puxou o gatilho. Sua mão matara, não por desejo, ardor de presenciar um corpo morto, mas por pressa, ela atropelou as pessoas em seu caminho. Ele escolheu assim matar novamente agora por sua própria vontade, serenamente caminhou pelas ruas achando percorrer o mesmo caminho que a garota, deitou-se na rua, comprendeu algum segredo humano e existencial, optou morrer. Quanto a mim? É óbvia a resposta, não?

Segredos da madrugada

Pensamentos de alguma madrugada ida e perdida...


Por que meu peito dói, e eu me sinto sufocar? Há dias sinto uma vontade de chorar, não um choro marcado por soluços, mas algo contido, plácido, é como se meu coração quisesse me segredar algo importante, e eu não pudesse ser capaz de traduzir esse segredo. Como pode eu ser estrangeira de minhas próprias emoções? Essa minha falta de compreensão não permite que o choro me arrebate, as lágrimas param no canto dos olhos, não rolam pela face, e essa não vazão, vai me sufocando e agredindo minha brutalidade, lapidando-me na tentativa de tornar o segredo compreensível. Mas o tempo é impiedoso, ele está passando incólume ao meu sofrimento, logo não haverá mais nada para moldar, e então vou morrer ignorante de mim mesma e reduzida a pó.. É um fim trágico para uma luta de sobrevivência, é um fim penoso para quem buscou se desvendar, então onde estão os instrumentos que poderiam me tornar mais hábil no meu próprio desvelamento? Onde?! Não quero morrer, não, estou errada, eu não quero é ser mais ignorante, e ausentar-me mais de mim.. E como na letra de um blues derramado de angústia, também clamarei: Oh, Lord, save me if you please...

sexta-feira, 13 de maio de 2011



“Os homens esqueceram a verdade, disse a raposa.
Mas tu não a deves esquecer.
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”


Os homens realmente esquecem de tanta coisa hoje em dia. É tão mais fácil não ser, não pertencer, não se dar, não se comprometer, não falar. Quantas vezes nos deparamos pelas ruas com pessoas que conhecemos e trocamos cumprimentos tão vazios de significado! O quanto realmente as pessoas se interessam pelo que o ‘outro’ pensa e sente? Quando perguntamos ‘Como vai você?’ estamos mesmo preparados para a verdade que esta pergunta pode trazer à tona? Será que temos tempo no nosso cotidiano apressado para ouvir o que se passa pela mente das pessoas ao ouvir tal pergunta? Acredito que o cérebro nem se dá mais ao trabalho de processar o real significado dessa pergunta tão simples. Automaticamente respondemos ‘Tudo bem! E você?’ Ás vezes me deparo com um cenário interessante, perguntamos duas vezes a mesma coisa por falta de um diálogo real:

- Tudo bem?
-Tudo.
- Como está você? Tudo bem?
- Tudo bem.


Não será isso na verdade um apelo inconsciente para ser ouvido?


E assim seguimos a nossa vida cheia de atividades e vazia de significado.


‘Comamos e bebamos, pois amanhã morreremos’? Que doce ilusão! Todos os dias eu acordo e vivo as conseqüências do que eu fui no dia anterior. O ontem está aqui, o hoje estará em mim amanhã. Talvez amanhã deixemos sim é de tanto morrer.


Não acredito em relações humanas sem sentimentos, sem compromissos, sem responsabilidades. Não consigo suportar a leveza de não pertencer, de não ser, de não criar laços, de apenas viver momentos breves em que metade de mim é esquecida. Sou um todo, e parte para mim não é suficiente. Mas, como disse o Pequeno Príncipe: “As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. Pra uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas.”

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Aos que tem sede

Vejo aquela menina andar despreocupada pelas ruas da cidade à noite, como se a Lua cheia que ilumina essa noite fria de abril lhe pertencesse. Ela anda suavemente como se fosse embalada pela música de Yan Tiersen. Observo o vento balançar seu vestido, seus cabelos e as folhas secas que abrem caminho a sua passagem. Fico a imaginar que pensamentos podem trazer um ar de tanta tranqüilidade ao rosto daquela mulher. Sigo-a de maneira instintiva como se segui-la fosse uma maneira de chegar ao lugar que eu sempre soube que deveria estar. Ela se dirige a um bar cuja fachada dizia “Aos que tem sede”. Senta-se sozinha numa mesa no canto esquerdo e pede vodca pura. Observo enquanto ela bebe de um só trago seu copo de aguinha. Ela continua com aquela expressão de quem sabe, sabe ser e estar. Mesmo sentada ela ainda parece bailar.

Não consegui resistir ao impulso que me levou até a sua mesa e perguntei:
- Você é sempre assim?
Ela se volta com aquele sorriso de mãe que vai contar uma história de aventura ao filho, coloca o dedo indicador no queixo e diz:
- Ninguém é sempre assim, baby, seja lá o que esse ‘assim’ quer dizer.
Ao perceber meu olhar interrogativo e insistente ela pergunta:
- E você? O que você faz aqui?
E eu respondo com a calma de quem conversa com um amigo íntimo:
- Eu estou aqui para testemunhar a sua vida, para te ver passar.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Nuvens e borboletas


Não espante as borboletas com tua presença barulhenta

Não escureça meu céu com toda essa grandiosidade

Não atrapalhes meu momento de contemplação

Não quero que te mistures à minha solidão


Vejo nuvens

Vejo borboletas

Vejo pôr-do-sol


Você chega trazendo chuva

E esses olhos tristes que me levam ao Seol

Entre as nuvens brancas me vi passar

Foi um breve momento antes de você os fechar.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Fragmentos...


Nossas vidas se conjugam criando dramas novelescos. E se o final "feliz" é decidido sempre pela opinião pública, assusta-me o fato de não cair nas graças de quem nos assiste... Seja lá quem for.

Hoje tentei de alguma forma me descrever. Fui ingênua na caracterização, não consegui ir além da descrição física. Fazia parte do meu plano de auto-conhecimento. E foi meio chocante descobrir, que não havia nada demais a conhecer...

Não há horizonte que eu mais tema do que a eterna visão das costas dela. Correr, correr, e
nunca alcançá-la; eternamente com o braço suspenso, distante do sentido da minha realidade...


Amor, um conselho pra você que só reclama do tédio: vida é explosão que não cessou. Quando perceber isso, poderei coexistir e partilhar da monotonia dos breves dias contigo; e mesmo isso será uma aventura no final.

Não quero dormir, não quero fechar meus olhos, não quero deixar passar um segundo sem que meus olhos gravem sua imagem na minha retina... Dormir se tornaria um pecado...

Sabe, do que adianta ter o coração roubado se é para ele sangrar asfixiado, tal qual um passarinho que gostaria de voar, mas não conseguiu escapar a ladra mão que o sufocava?

Quero me sentir transbordando. Quero compreender realmente o significado de intenso, satisfazer-me em perder o controle e deturpar a medida.

Não preciso de veio criativo quando tenho você, pois meus suspiros são todos orientados pelos seus gestos e expressões. Não há mais suspiros de angústias, a caneta não se move e o caderno permanece em branco.

O que há por trás dessa vontade que move meus passos? O que faz meus dedos correrem pelo papel, lápis, carvão, pele? Em quê o destino se apóia para conseguir subsistir a todas as criaturas?

sexta-feira, 11 de março de 2011


Enfim aconteceu o que pensei que não veria por tão cedo. Perdemos a intimidade.


As coisas não fluem naturalmente, fico sempre buscando no fundo de minha mente confusa palavras que se encaixem a cada situação. Uma tentativa desesperada de quebrar esse silêncio constrangedor.


Pois é baby, o tempo passou e nossas vidas não se cruzam mais. Nossos antigos pensamentos em comum foram substituídos pelas palavras mal ouvidas, pelas formalidades e pela tentativa sufocada de salvar o que restou.


É triste admitir que não sei mais fazer parte da tua vida, que não sei sorrir quando preciso nem te abraçar e dizer coisas que nos faziam sentir-se bem.


É preciso admitir, algo de íntimo se perdeu.


Ao ver esse trem movimentar-se e se afastar cada vez mais da estação, prefiro permanecer no vagão a ver sua mão estender-se num adeus.

quinta-feira, 3 de março de 2011

"Duas e meia
Onde você está?
Três, quatro horas
Se você chegar
Vou acender estrelas só pra te receber
E anéis de saturno pra fazer bambolê
Vou convidar você para tomar café com leite de rosas"

Marcelo Jeneci

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Sob o céu


Olhei para o céu, e não havia estrelas, uma sequer que pudesse guiar meus passos madrugada adentro. Estava bêbado, não sentia o vento, nem dor, nem cheiros; mas sabia que estava perdido. Nessa noite, dediquei brindes ao mundo, às pessoas, seus risos e lágrimas, feridas e curas, à maldade e à compaixão; enfim, tive várias justificativas para me embriagar. Caminhei tropeçando, cambaleando como um aluno disciplinado dos conhaques, vodkas, vinhos baratos; e prometi aos céus goles dos melhores licores se eles e seus deuses me emprestassem uma de suas estrelas.
Nada.
Não fiquei triste, meu corpo inconscientemente dançava, e a garrafa ainda estava consideravelmente cheia. Precisava de tão pouco para me satisfazer que a perdição não me pesava o coração ou a cabeça. Eu fui, ou melhor, sou um bêbado equilibrado: não sou alegre, nem triste, porém isso não me torna o meio ou o centro de tudo. Não sei onde me situo, que substância me forma ou qual o lugar que me ocupa na tabela periódica, o que sei é que na minha embriaguez não há alvoroços de nenhuma espécie, nem de alegrias e nem de dores. O que significa viver assim? Também não possuo a mínima idéia, pois nesta madrugada meus impulsos só buscam uma estrela e, consequentemente, um caminho.
Atravesso a ponte de madeira velha e gasta. Tum, tum-tum, tum. Tambor a ressoar em meus ouvidos. Poderia o rio derrubar esta ponte? Tum, tum-tum, tum. Uma pessoa balança seus pés diante da correnteza, ela é o epicentro da melodia constante. Um velho de cabelos ralos e ensebados, mendigo. Suas mãos fechadas seguram preciosamente algo, e seus olhos alcançam o horizonte distraídos. Tum, tum-tum, tum. Bêbado sentei ao seu lado, sempre quis saber a sensação de balançar os pés no infinito. Do seu corpo tranqüilo ao meu lado, senti o ritmo da canção do tempo. Tum, tum-tum...
“De onde vem a cadência?”, perguntei em voz alta. Ele me olhou, e depois para suas mãos escurecidas que unidas por um segredo parecia palpitar. “Hoje fiz oitenta anos, e finalmente me descobri velho. Inválido estou a vinte, mas nunca havia entendido a causa de maneira científica. Quando ela morreu, tudo pareceu incompleto, no entanto, pensei que meu cérebro iria abstrair a perda, e, de fato aceitei-a. Mas com o passar dos anos algo permaneceu pesando em meu peito e estrangulando minha garganta, e não houve nenhum estudo que desse aos sintomas uma causa. Então, hoje quando me olhei no espelho e me reconheci velho, tomei uma decisão importante: mesmo de mãos trêmulas seria meu próprio médico e cirurgião. Arranquei de mim meu coração, e é ele que bate agora entre meus dedos.”
“E o que há nele, velho, além dessa música?”
“Olhe, menino, veja as notas musicais da saudade estampadas em suas veias. A ausência tatuou a falta dela no meu miocárdio para sempre. A saudade não me poupou, meu cérebro me consolou, mas nunca pôde ser capaz de me curar. Deste buraco em meu peito, escorre um rio de sangue, afluente deste que corta a cidade. Nele meu coração em breve navegará trilhando finalmente um caminho para eternidade. E quando lá chegar, será que você, criança, saberá por que deve viver?”
“Eu não sei...”
Ele sorriu.Tum, tum-tum, tum. E se jogou.
Começou a amanhecer, e no céu da alvorada uma única estrela surgiu.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

1968

Texto de uns dois anos atrás, nem me lembrava mais dele, mas o achei hoje e resolvi postar, não pela qualidade de escrita ou algo do gênero, mas por uma utopia passada, e, no entanto, tão presente.

1968

Era manhã, bem cedo havia me levantado, e saí para rua encontrando o vento frio do início do dia a acarinhar-me a face. Poderia ter me levantado para um dia qualquer, como quase todos os outros anteriores de minha vida, cuja importância e valor só pude descobrir aos seus finais, quando deitava minha cabeça ao travesseiro ou então, quando meus olhos acompanhavam o nascer de um novo dia da janela semi-aberta de meu quarto.
No entanto, houve dias em que vivi emoções únicas, como quando ia a escola ver a minha linda professora que tentava dar sentido a valores como dignidade e respeito, com aquele tom de voz apaixonante, tão crédulo e contagiante. Ou então quando acordei para receber das mãos de meu falecido avô aquela bicicleta vermelha e usada, mas que fora meu primeiro sonho de infância, pelo menos o primeiro que me vem à memória. E se puder acrescentar mais um dia, seria aquele em que beijei a primeira menina no quintal de sua casa, minhas mãos tremiam e tudo parecia tão atemorizante e, ao mesmo tempo, surpreendente. E tenho a sensação que hoje com certeza será a mais nova cicatriz de minha existência.
Hoje, os pássaros cantaram com as primeiras horas da manhã, eram como sons de bênçãos pelo novo amanhecer. Respirando fundo dei meu primeiro passo pela rua, o céu estava azul com algumas nuvens que se escondiam ali e aqui, e no ar havia um cheiro qualquer que eu ainda não era capaz de identificar. Meu coração palpitava, dava solavancos, buscando sair de meu ser para conquistar o mundo, nele morava uma ansiedade fruto de um sonho de semanas, meses remoído e re-sonhado na cabeça.
Naquela manhã deixei que minhas pernas fossem guiadas por esse órgão que bombardeava sangue para minhas veias e impulsos para meu espírito. Nele habitava o sonho compartilhado por milhares, combustível existencial, fôlego de humanidade, pois ele era o possuidor do desejo de liberdade.
O vento nos meus cabelos não era capaz de confundir minhas idéias e abalar meus anseios, todavia trazia às minhas narinas o cheiro da cidade que eu tanto amava, local da minha infância e da história de minha família, de meu povo. A sensação ocasionada por essa experiência tornou meus passos mais consistentes, e meus olhos atentos à rua por onde caminhava.
Havia pessoas espreitando a rua naquela hora matinal. Uma criança de uns três anos olhava do alto de uma janela. Seus cabelos encaracolados estavam embolados numa confusão de fios e de mundos imaginativos, do seu nariz escorria o catarro que deveria ser limpo pela fralda suja que segurava, mas que para a criança parecia ser mais divertido deixar embalar pelo vento como uma bandeira do que levá-la ao nariz. Será que ela sabia o que estava para acontecer nas ruas próximas a sua casa? Será que entendia a realidade em que vivia? O que seus pais lhe contavam ao dormir? Provavelmente eram contos de fadas que disfarçavam os nossos tempos sombrios. A pequena me olhou do alto, ignorando momentaneamente o vento, acenei para ela que me retornou o cumprimento: selamos um acordo silencioso de fé e esperança.
Andei mais alguns metros, e dobrei a esquina, um velho estava sentado na calçada murmurando uma música que não reconheci de imediato. Seus cabelos eram grisalhos, possuía rugas profundas nos cantos dos olhos e ao redor da boca, seus dedos calejados, e pés descalços. Pensei na velhice, lembrei de meu avô, imaginei a fragilidade da vida sendo corroída pelo tempo, o peso dos anos sobre os ombros daquele homem e futuramente nos meus. Inebriado dessa melancolia, assustei-me, quando de repente o velho se levantou e tornou seu tom de voz mais forte, alto, ainda cambaleante, o que indicava uma madrugada nos bares escondidos nas ruas mais estreitas e inacessíveis. Aquele homem lia pensamentos, era sua resposta a minha autopiedade, de sua garganta idosa ele me dava provas sobre a força humana. Mais alto:  Mais um dia, nóis nem podi se alembrá, veio os homens com as ferramentas, o dono mando derruba... que tristeza nóis sentia, cada táuba que caía duía no coração... Seus braços se balançavam, estufou o peito e berrou cada verso daquela música. Saudosa maloca, maloca querida dim dim onde nóis passemos os dias filizes da nossa vida.... Então, meio zonzo caminhou em minha direção, não me viu, passou e seguiu já não mais gritando, só sussurrava a melodia daquela música que cantou no meu peito o resto do dia.
Apressei meu passo, minha mente pregava peças e eu me atrasava para o meu objetivo. Ah, todavia eram peças tão bonitas, que aplacavam minha insegurança, que me davam confiança na escolha que tinha feito. Sentia-me inseguro devido aos meses de angústia e de opressão, mas sabia que era preciso empreender a luta, avançar, combater os inimigos cotidianos, crias do medo de liberdade.
Brecht invadiu meus pensamentos como um fantasma, e eu quis gritar para aquelas ruas vazias os seus versos, queria eu ser como aquele velho que se deixou levar pela música e um algo mais, queria rasgar aquele silêncio que era somente estremecido pelos barulhos de carros ao longe, também ser denunciador de realidades. Segurei a garganta, porque aquelas palavras me sufocavam, como um doente que segura seu vômito, e só se sente melhor ao pôr tudo para fora. Gritei:
“SUPLICAMOS EXPRESSAMENTE: NÃO ACEITEIS O QUE É DE HÁBITO, COMO COISA NATURAL, POIS EM TEMPO DE DESORDEM SANGRENTA, DE CONFUSÃO ORGANIZADA, DE ARBITRARIEDADE CONSCIENTE, DE HUMANIDADE DESUMANIZADA, NADA DEVE PARECER NATURAL, NADA DEVE PARECER IMPOSSÍVEL DE MUDAR.”
Corri, segurando aquele verso nos lábios, repetindo-o um sem contar de vezes até chegar numa rua em que várias outras pessoas surgiam, e se olhavam, iam todas para o mesmo objetivo, sussurrei para aquelas mais próximas, o verso que escolhi como meu grito de guerra. Não mais sozinho, transformei-me em um corpo único ao lado daquelas pessoas, que pareciam se multiplicar. Compartilhávamos uma energia que fluía de um indivíduo para o outro, alguns gritaram, outros subiram em árvores e falaram, tomamos a rua e construímos barricadas de sonhos.

Olhei ao meu lado, havia uma mulher que gritava: seus dentes eram brancos, sua tez negra, sua cabeça raspada, seus olhos cintilavam. Gritava, clamava, convocava a todos para entoar as palavras de ordem da manifestação. A jovem viu que eu a olhava, e demonstrei meu respeito sorrindo, o que ela retribuiu com um decisivo aceno de cabeça, um sorriso forte e uma expressão de “estamos juntos nessa”.
A ordem opressora surgiu, querendo nos intimidar e cercar. Cobri meu rosto com o lenço vermelho que minha mãe havia me entregado antes de eu deixar nossa casa. Compreendi através de seu gesto o quanto ela apoiava minha decisão, naquele lenço carreguei o seu desejo de transformação.
Como uma torrente, começamos a correr, em minhas mãos foi colocada uma pedra do tamanho de um punho; alguém sacudiu a bandeira “ABAIXO A DITADURA MILITAR”; com Brecht na cabeça e a música do velho bêbado no peito, avancei para e pela Liberdade, buscando castigar a ditadura traidora de nossa humanidade. A pedra zuniu no ar.